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Depósitos não ressocializam

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*Jorge Henrique Franco Godoy

A Lei 7.210/84, conhecida como Lei de Execução Penal, é um marco importante no sistema de justiça criminal brasileiro. Ela foi criada com a intenção de garantir um tratamento humano e digno para as pessoas privadas de liberdade, promovendo a ressocialização dos reeducandos. A lei possui pontos positivos que, se seguidos à risca, poderiam efetivamente auxiliar na reintegração dos indivíduos à sociedade. Entretanto, a realidade do sistema carcerário brasileiro está longe de refletir os ideais propostos pela legislação. E o cenário não é diferente em Mato Grosso.

Um dos grandes problemas do sistema carcerário brasileiro é a falta de distinção entre os diferentes perfis de detentos. Pessoas que estão aguardando julgamento são colocadas nos mesmos presídios que os condenados, independentemente da gravidade dos crimes cometidos. É como misturar maçãs boas com maçãs podres o que, muitas vezes, resulta na corrupção de indivíduos que poderiam ser ressocializados. A convivência forçada com criminosos “mais experientes” e, principalmente, com faccionados, pode transformar alguém que entrou no sistema por um delito menor em um criminoso ainda mais perigoso.

É claro para todos que as organizações criminosas e facções, que dominam muitos presídios brasileiros, agravam ainda mais essa situação. Detentos que não fazem parte dessas facções se tornam vulneráveis a abusos e coerções, muitas vezes sendo forçados a se aliar a esses grupos para sobreviver. Esse ambiente hostil dificulta, quando não impossibilita, qualquer tentativa de ressocialização.

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Recentemente, o supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), desembargador Orlando Perri, afirmou que as penitenciárias são o “bunker” das organizações criminosas e facções, é onde está o “generalato” do crime. A discussão era sobre a entrada dos celulares para os presos, mas também reforça a preocupação com a entrada dos presos “menos perigosos” nestes espaços.

Outro ponto crítico é a falta de investimento do Estado na estruturação de um sistema carcerário que realmente promova a ressocialização. Em Mato Grosso, por exemplo, muitos presídios são precários e mesmo após o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo de Mato Grosso ter percorrido as unidades prisionais do Estado, algumas unidades, principalmente a Penitenciária Central do Estado (PCE), citando como exemplo, não têm oferecido programas adequados de trabalho ou estudo para os detentos. A remissão proporcional por estudo, que é um direito garantido pela Lei 7.210/1984, alterada pela Lei 12.433/2011, muitas vezes não é respeitada, segundo informações dos penitentes.

Essa negligência por parte do Estado transforma os presídios em depósitos de pessoas, ao invés de espaços de recuperação e reabilitação. E depósitos, definitivamente, não ressocializam.

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O que se vê, na prática, em nosso Estado, é uma maquiagem das condições carcerárias, em vez de uma reforma estrutural necessária. O Estado precisa investir em novos presídios, em programas de trabalho e educação para os detentos e, principalmente, em uma separação criteriosa dos presos, para que a ressocialização seja uma realidade possível. Sem isso, o sistema continuará a produzir criminosos mais perigosos do que aqueles que nele entraram, perpetuando um ciclo de violência e criminalidade, e a certeza que não sairão ressocializados.

A mudança no sistema carcerário é urgente, pois, sem ela, não podemos esperar que a sociedade brasileira se torne mais segura ou mais justa.

 

*Jorge Henrique Franco Godoy é advogado em Mato Grosso, especialista em tribunal do júri.

 

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100 anos do livro As Raias de Mato Grosso / por Suelme Fernandes

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Mato Grosso tal qual conhecemos hoje é fruto de um passado com múltiplas e contraditórias definições espaciais, topônimos e batismos coloniais de lugares, além é claro, de muitas disputas pelo território. Uma polifonia de significados com raízes históricas profundas.

A construção das memórias geográficas desse Estado e seus laços fronteiriços produziu muitos vestígios documentais e literários desde os primeiros tempos da colonização séc. XVIII.

No afã de descrever ou definir com palavras esse espaço político, o historiador Virgílio Corrêa Filho publicou o compendio As Raias de Mato Grosso, escrito em 1923 e publicado em 1925.
A obra é composta de 4 volumes e foi publicada em São Paulo na Seção Obras de São Paulo: Vol. I Fronteira Septentrional (Norte) 124 páginas; Vol. II Oriental (Leste) 150 páginas, Vol. III Meridional (Sul) 212 páginas e Vol. IV Ocidental (Oeste) com 165 páginas.

Respectivamente aborda os limites geográficos com os estados do Amazonas, Pará, Goiás-Minas, São Paulo, Paraná e com dois países, Paraguai e Bolívia.
No prefácio, Virgílio Corrêa publica uma foto de página do ex governador do Estado Antônio Corrêa da Costa, falecido em 1920, seguido de uma nota de homenagem póstuma pela participação dele na definição das fronteiras: “Não lhe permitiu o destino, todavia, historiasse os sucessos de que fora glorioso protagonista”.

Apesar das inúmeras expedições científicas do séc. XIX, Mato Grosso figurava no imaginário da República como “terras selvagens incógnitas, habitadas por índios,” chegando a ser conhecido como o “Imenso inferno verde”.

No alvorecer da República, o mapa de Mato Grosso ainda era apenas rabiscos rudimentares e imprecisos.

Um território continental que abrangia as áreas dos atuais estados de Rondônia e Mato Grosso do Sul.

Em 1909, por exemplo, existiam grandes litígios pelas regiões do Alto Madeira e Alto Tapajós com Amazonas e Pará, áreas muito cobiçadas ricas pelo extrativismo da Borracha.

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Como remanescente dessas disputas judiciais antigas a definição das balizas entre Mato Grosso e Pará seguem em litígio até os dias atuais.
A demarcação das jurisdições entre os estados, além de ser definição estratégica para o incremento de tributos das coletorias regionais, eram necessárias para construção da identidade regional e nacional.

O Instituto Histórico Geográfico de Mato Grosso, foi fundado em 1919, entre outros objetivos, com a missão de definir o território, os símbolos oficiais e as tradições que distinguiria essa região. Era primordial para instituição definir um território e um gentílico para o povo mato-grossense.

O próprio Hino de Mato Grosso, composto por Dom Aquino Corrêa do mesmo ano, reflete essa preocupação: “Limitando, qual novo colosso O ocidente do imenso Brasil Eis aqui, sempre em flor, Mato Grosso Nosso berço glorioso e gentil.”

Era mister, portanto, publicar livros e estudos para que com palavras se definisse semioticamente a área de Mato Grosso.

O território do Estado representava um quarto de toda fronteira nacional, parte dela internacional com Paraguai e Bolívia.

O fantasma e os temores da Guerra do Paraguai de 1864 com a invasão de Corumbá ainda pairava como ameaça à integridade territorial brasileira no começo do século XX.

Pelo menos cinco mato-grossenses notáveis foram essenciais na delimitação territorial do Estado no período republicano: os ex governadores Antônio Corrêa da Costa 1903-1906, Pedro Celestino Corrêa da Costa 1908-1911, 1922-1924, Caetano Manuel de Faria e Albuquerque 1915-1917, Dom Aquino Corrêa 1918-1922 e o sertanista Cândido Mariano Rondon.

Em 1917, Caetano Manuel encomenda a Carta Geográfica de Mato Grosso para o Gal. Cândido Mariano Rondon criando o Serviço de Conclusão da Carta de Mato Grosso.

Para assumir o órgão e os trabalhos de campo convocou Francisco Jaguaribe Gomes de Matos Neto, General de Brigada e Engenheiro Militar da Comissão Rondon.

Em 1925 é lançada a obra As Raias de Mato Grosso com intuito de apresentar todos os limites, negociações, documentos jurídicos e referências históricas da constituição desse espaço geográfico que conhecemos como mapa de Mato Grosso.

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O compêndio de Corrêa Filho serviu como referência documental para autoridades e pesquisadores e para aclarar pendências jurídicas e políticas sobre os limites entre Mato Grosso os estados e países vizinhos.

Apesar de na definição jurídica e acordos de limites constarem coordenadas geográficas, o primeiro mapa de Mato Grosso de fato só foi confeccionado alguns anos mais tarde, em 1952, pelos trabalhos e estudos hercúleos de Mal. Rondon.

As raias cartografadas que definiram limites territoriais do Estado, apagaram áreas ancestrais de povos originários antigos, pondo a rés do chão muitas espacialidades.

Muitos lugares nos mapas de limites foram identificadas como Terras Indígenas e outros foram representados nos quadrantes do mapa “em branco”, como espaços vazios a serem conquistados.

Viraram estoques de terras disponíveis para ocupação.

Os mapas são, antes de tudo, instrumentos geopolíticos, convites a “fortuna” e terras “devolutas”.

Esses discursos geográficos e as políticas de aldeamentos facilitaram a implantação de grandes projetos de ocupação e colonização de Mato Grosso nos anos posteriores.

A grande obra de Virgílio Corrêa merece uma nova publicação como homenagem a imensa contribuição patriótica do grande geógrafo e historiador que nos blindou com seu compêndio.

Seu livro serviu como fundamento para consolidação das fronteiras de Mato Grosso entre a população, políticos e técnicos.

Corrêa Filho, trata de um Mato Grosso uno e gigante que por seu expansionismo e bravura deu origem a dois outros estados da federação brasileira e referência uma geração de técnicos burocratas, ainda desconhecidos, que ajudaram a definir o que chamamos atualmente de Mapa de Mato Grosso.

Suelme Fernandes ocupa a Cadeira de Estevão Alves Corrêa no Instituto Histórico de Mato Grosso

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